terça-feira, 7 de maio de 2013

Sexto dia, 11 de abril de 2013 (Zampa)

 
Sexto dia, 11 de abril de 2013. Impresões de Zampa, relatadas em maio.

Saímos cedo de São José do Xingu, rumo a Cotriguaçu, via Matupá e Alta Floresta. Não chegamos, entretanto ao destino planejado. Como relatou o Lucas, cerca de 80 km à frente entramos em território indígena do Xingu
(http://pt.wikipedia.org/wiki/Parque_Ind%C3%ADgena_do_Xingu). Uma corda mambembe, da cor da lama, próxima ao chão, sem nenhuma placa indicativa nela ou nos arredores e nenhuma pessoa à vista, acabou por fazer que nosso amigo Newton não a visse. Isso foi suficiente para que um indígena com colete de “autoridade” aparecesse para dizer que havia sido um desrespeito o rompimento da corda e pelo ato cobrou módicos R$10,00. Lucas, o fotógrafo improvisado e oficial de nossa Expedição, de dentro da XTerra, tirava fotos das casas á beira da estrada, enquanto pagávamos a corda e os R$70,00 pela travessia da balsa do Rio Xingu (a 2ª da viagem).
A  tal autoridade, mais uma vez, veio irritada dizer que as fotos eram proibidas e que ele poderia apreender a máquina. Tive que argumentar com o “chefe” que  ele deveria nos indicar qual lei vedava fotos na área e onde estava a placa que informava tal proibição.  Desconversou.
Seguimos alguns quilômetros para descobrir que a estrada – uma mera faixa de terra, quase cortada pelo mundo de água que a rodeava - estava interrompida por uma carreta. Várias outras carretas, picapes e até mesmo veículos pequenos esperavam, sem nenhuma perspectiva de passar.

Depois de avaliar a profundidade da água e lama que cobria as bordas da estrada decidimos arriscar e, com alguma adrenalina, conseguimos passar. O risco não era tanto atolar, mas derrapar, quer para fora da estrada, e cair no mundo de água, quer ir contra a carroceria da carreta, o que deixaria algum estrago em nossas viaturas. Vista, pelas fotos, a situação parece mais tranqüila. Mas eu havia medido a “aguinha” à esquerda e sabia que não podíamos cair ali pois a estrada era levantada em relação ao terreno. Derrapar para a esquerda  era cair na água mal escondida sob os arbustos.





Passamos, mas nosso espírito Off Road veio à tona e decidimos arrastar a carreta. Estreamos as novas cintas e, atreladas às duas viaturas,  engatamos a reduzida e pisamos no acelerador.
 Com alguma dificuldade e como uma lesma preguiçosa a carreta foi se movendo e finalmente a levamos para a área de terreno firme. Alguns dos presentes ajudaram na operação. Uns ficaram com dó de colocar na lama cintas tão branquinhas…e a seguravam levantada até que estivessem tensionadas.


Lucas fotografava toda a operação quando, mais uma vez, veio a tal “autoridade” implicar com as fotos. Parou. Razão pela qual não temos fotos da carreta sendo arrastada. Diziam os demais presentes que, sem avisar nada, “os índios” cobravam R$ 20,00 por cada foto do rio tirada durante a travessia. Independentemente da espoliação histórica pela qual passou e passa a população indígena brasileira, cobrar pelas fotos se trata de pura extorsão. Essa atitude, nas opiniões dos presentes - contribui para aprofundar o preconceito contra os “índios” em geral. Argumentei com alguns, dizendo que, em passado recente,  já cruzara outros territórios indígenas e que, em tais ocasiões, os "índios" foram bem acolhedores e simpáticos. Portanto, não devíamos e não devemos generalizar: entre os “índios”, como entre os “brancos”, há gente de toda índole.

Tendo arrastado a carreta que dificultava a passagem dos menos corajosos – mesmo com picapes – outros passaram. Para chegar à boca da balsa foi preciso cruzar uns 100m de água (0,50 cm) do rio que cortava a estrada. Esperamos que o operador da balsa, um membro da comunidade indígena viesse pilotá-la, o que fez com a maestria esperada.
Contemplar a  imensidão das águas onipresentes, e agora ao relatar, veio-me à tona um tema que já deveria ter comentado: nosso parceiro, Newton, homem que mora em Jacobina, parte do sertão baiano assolado por terrível seca, não se cansava de expressar sua euforia diante da abundância de água, capim verde e gado gordo que tomava conta da paisagem desde a entrada no Tocantins.  Diante do imenso rio Xingu, que alagava quilômetros e quilômetros de matas às suas margens, foi inevitável relembrar de Canudos e Antônio Conselheiro, de Vidas Secas, de O Quinze e da tristeza que me abate quando circulo pelo sertão esturricado pelo sol. Cheguei a pensar que o paraíso sonhado por um sertanejo nordestino se assemelharia àquelas paisagens com água brotando nas margens das estradas, capim verde e alto, gado gordo. O sertão virar mar, de água doce! Doce sonho, vã esperança.




Água na terra, água no céu.

Passada a balsa, os devaneios se esvaíram. Pé na estrada! Tínhamos percorrido pequena distância e muita lama ainda nos separava do destino do dia: Alta Floresta.  Mal saímos da balsa e uma forte chuva anunciava bons momentos. A estrada, cercada de bela mata de transição entre o bioma do Cerrado e da Floresta Amazônica, tinha realmente muita lama, grandes poças de água e alguns bons atoleiros.
Foi diante de um desses que Newton decidiu não esperar um caminhão passar –  carregado de sucata de ferro que levava para Marabá! – e resolveu se arriscar pela lateral da estrada, fora da trilha batida. Não deu outra: atolou feio! Newton resolveu estreiar as botas de borracha e como num balé, tentava se equlibrar na estreita faixa de terreno firme... 
Era nossa chance de usar pela primeira vez os guinchos e nos lambuzarmos de lama, mas eis que a solidariedade estradeira falou alto e o caminhoneiro deu uma ré e depois de expressar seu espanto pela atitude do Newton, ("Eu olhei e pensei: ele não é doido de entrar ali! Pois não é que entrou?", disse ele) rapidamente arranjou uma corda e aos pouco arrastou a Savana para trás, para terreno firme. Newton estava ficando animado. Lama não faltava, mas ainda não era suficiente para ele poder estrear os pneus tratorados que comprara especialmente para a expedição. Na borda da estrada uma anta deixara as marcas de suas patas “tratoradas” na noite anterior.
Algumas dezenas de quilômetros adiante, chegamos, já pelas 14hs, a uma casa/restaurante. Perdidos no meio do nada, sem vizinhos senão a dezenas de quilômetros, o casal já na faixa de seus 60 anos ali vive e mantém o “Restaurante JD (iniciais de ambos) - comida caseira feita na hora”.
De fato: num fogão à lenha, as panelas quentes guardavam os segredos e os aromas de deliciosa comida caseira. Carnes de frango, porco e vaca, aipim, abóbora, feijão, arroz. Tudo convidava nosso estômago e olhos famintos. Comemos a nos fartar. Um gerador a diesel, ligado algumas poucas horas do dia e da noite, mantém o casal distraído com as novelas e telejornais – ambas parecem ficção vinda de um mundo distante e irreal – e as cervejas e refrigerantes frescos. 

A estrada parecia uma reta sem fim, levando-nos ao infinito. Um risco marrom num papel verde. Uma serpente esticada. Mas a serpente real que encontramos era uma jovem jibóia, certamente migrando em busca de acasalamento.
Para evitar que fosse perversamente atropelada por outro veículo – vivo é o preconceito geral contra as cobras – tratei de ajudá-la (não sem protestos por parte dela) a atravessar rapidamente a estrada. Lucas mal tirou umas fotos e rapidamente se refugiou na XTerra. Não era medo, dizia ele, era respeito. Tá bom!
Seguimos adiante e era o contínuo e infindável cruzar de rios com pontes – em geral simples troncos. A estrada era ladeada por capim, bois, alguma mata, buritizais infindos e majestosas castanheiras, em tese, protegidas do abate. Passamos dois pequenos povoados, um sem nome visível, com estabelecimentos que não escondiam a sua vocação, como o Bataclãn Bar – sim, com til e ene -, outro orgulhosamente informava:  “Novo Mundo” e para dar credibilidade, a placa dizia sob o nome: “de Verdade”.

 Eram já 17:00hs e nosso destino ainda estava a 114km. Afundamos o pé na medida do possível. Nuvens escuras, prenhes,  tornavam o entardecer cinza e pesado mas, ao cruzamos a balsa  (3ª) do enorme e piscoso Teles Pires, o tempo sorriu e os últimos raios do sol banharam as águas, parecendo noite de luar.
Rio Teles Pires
 
Depois de um dia que começara as 06:50hs e rodado 412 km em 12 horas,  havíamos cruzado por balsa, dois rios, passado por águas de rios e igarapés que cortavam a estrada, desatolado carreta; chegamos às 19:00 hs em Carlinda e, exaustos, decidimos ali ficar. Escolha acertada. Procuramos um hotel. Uma menina de uns 07 anos tomava conta daquilo que era casa e hotel. Daí a pouco chegou esbaforida a mãe e dona do negócio, que se explicou: ela estava apoiando o marido na “inauguração” de um carrinho de espetinhos na brasa, ao lado de um quiosque na principal avenida da cidade. Nos convidou para prestigiar o evento e lá fomos nós. Tomamos umas cervejas “Cristal” e experimentamos o tal espetinho. Ambos bons. A jovem atendente do quiosque, loiríssima, certamente sulista, como a imensa maioria dos moradores, era toda sorrisos. Flertes de beira de estrada... O namorado, disse ela, estava rondando para fazer a guarda... Pobre homem! Como se isso fosse possível... Mas, dela só guardamos os sorrisos.

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