sexta-feira, 10 de maio de 2013

Nono dia – 14 de abril de 2013 (Zampa)






Nono dia – 14 de abril de 2013 (Zampa)

Começamos o dia com a notícia do assassinato ocorrido na noite anterior e relatado acima e com um pedido de carona formulado não pelos interessados mas, pelo João. Os dois, pai e filho, tem um oficina de reparação de motores e bombas e estavam indo para uma cidadezinha nos confins de Santa Catarina – terra do pai – para participarem de uma reunião familiar por ocasião dos 50 anos de casamento dos pais! A carona se justificava pois, pelo lado rondoniense a viagem era mais fácil, porém a linha de ônibus entre Colniza e Machadinho do Oeste estava interrompida desde meados de dezembro de 2012! Chegando a Rondônia eles iriam até Ji-Paraná, onde pegariam um vôo cheio de escalas e mais não sei quantas ligações de ônibus para chegarem ao destino. Isso é que era aventura. O pai seguiu comigo e Lucas, na XTerra e o filho com Newton, na L200. O pai ia contando estórias sobre este ou aquele morador pelos caminhos que íamos passando. Conhecia quase todos os pontos e pessoas, já que fazia manutenção nos motores espalhados pelas fazendas da região. Contou também que já circulara por várias cidades de Rondônia; que trabalhara em garimpos de cassiterita (http://cultura-beiradeira-ro.blogspot.com.br/2008/03/uma-perspectiva-histrica-e-ambiental.html) onde enriquecera e depois “quebrara”: investira em terras sem titulação – como a maioria delas – que depois foram invadidas, ima gine vocês,  por uma comunidade evangélica! De permeio o fim do casamento – sobre o qual não falou muito - tendo os filhos, então muito novos, ficado com ele.

 Nosso destino passaria por Machadinho do Oeste e a depender da estrada seguiríamos para Ariquemes e talvez até a fazendinha no meio do nada, entre Ariquemes e Monte Negro, onde mora meu pai. A conversa solta e fácil ajudava a passar o tempo. O caminho se sucedia sem grandes percalços. Cruzamos rios caudalosos, um deles, chamado “Água Branca” foi o que fez nossa adrenalina aumentar. Sobre a ponte quase nenhuma água mas ao final dela, cerca de 0,80cm cobria a estrada. Newton, que ia à frente, foi o primeiro a ter a surpresa: sob a água, grandes buracos certamente feitos por carretas, fizeram a L200 afundar sucessivamente a frente à direita e a seguir à esquerda, num movimento que dificultou a passagem. Aos lados a água do rio oferecia forte correnteza. A seguir fui eu, com a XTerra. Mesmos movimentos, mas sem surpresas. A água cobriu o capô, a força do movimento arrancou do parachoque a placa da XT,  que flutuou e só não foi levada embora pois se aninhou entre a antena, o parabrisa e o snorkel. Passado o desafio, ao pegar a placa, surpreendentemente lá estavam também os dois parafusos que a fixam! Até nosso caronista, homem experiente naqueles caminhos, se surpreendeu com a fundura dos buracos. A situação tirou a concentração do Lucas de maneira que nem mesmo conseguiu tirar uma única foto! 

Duas horas e meia de estrada depois de termos saído de Guariba, uma outra surpresa: um bioma completamente diferente daquele que vínhamos cortando. A floresta densa, exuberante, com árvores gigantescas e solo de terra vermelha coberto por camadas de folhas em decomposição, cedeu lugar a uma área aberta, terreno arenoso, arbustos pequenos, lagoinhas em meio à areia branquinha. Não deixava de lembrar certos caminhos do litoral brasileiro. Na verdade, se visse as fotos, sem o contexto, diria sem hesitar que eram do litoral. Não sendo geólogo especulo que ali deveria ter sido o leito de grandes áreas inundáveis de algum rio antigo


  Passada aquela área, a  mata voltou a imperar e a estrada, plana, passou a ter grandes possas de lama, mais amarela que vermelha (2577). Na verdade o grande Rio Roosevelt, não estava muito distante. Esse rio recebeu tal nome após uma grande expedição em que participou o ex-presidente norte-americano (http://pt.wikipedia.org/wiki/Rio_Roosevelt).

Umas três construções, sendo duas delas bares, anunciavam que havíamos chegado a mais uma travessia por balsa. Ao lado de um dos bares, uma torre de telefonia e um orelhão, mantidos por uma placa solar. Enquanto esperávamos a balsa tentei, em vão, telefonar para meus familiares em Rondônia para alertá-los de nosso grande atraso. Era um gerador que garantia a refrigeração e o funcionamento da TV.

Logo abaixo da travessia começam as famosas e temidas corredeiras e cachoeiras do rio, razão pela qual a balsa é amparada por um cabo de aço. Não fosse assim a qualquer pane no motor, seria arrastada para um fim sem volta.(2605)
A topografia do outro lado do rio, seguia  anterior e não tardou para que voltássemos a nos deparar com aquele bioma especifico e tal raridade em meio à floresta amazônica não podia deixar de chamar a atenção dos biólogos: uma placa anunciava que estávamos atravessando uma estação ecológica, caracterizada por espécies bem distintas daquelas que vínhamos observando.

 Grandes lajes de pedras, cortadas por aguinhas cristalinas me faziam lembrar as Chapadas, dos Guimarães e Diamantina. As grandes toras, ocas umas, que serviam para a travessia de água, ou troncos a servir de pontes arrancadas, mostravam que tais singelos “corguinhos” podiam se tornar furiosos, ao sabor das chuvas.



 Tivemos que passar por dentro de alguns e arriscarmos a travessia sobre dois troncos que haviam sido deslocados pela força das águas de um aparentemente dócil riozinho. Essa última operação exigiu algumas providências: arranjamos pranchas, troncos e até mesmo pneus velhos que providencialmente se encontravam por ali para diminuir o vão na saída pois, além da entrada e saída serem em curva, os troncos pelos quais tínhamos que passar não estavam mais paralelos. A situação só não estava pior porque a retro-escavadeira que seguia sobre uma carreta, com a qual havíamos cruzado uns quilômetros atrás, havia descido e arranjado um pouco o aterro para que eles próprios pudessem passar.


A partir dali foi uma sucessão de pontes pequenas e uma ou outra grande, reconstruídas ao lado das velhas, destruídas pela força dos rios. E a estrada se fazia cada vez mais estreita. Rodados 142km cruzamos, sobre uma ponte reconstruída, o Rio Madeirinha, e 05 km depois fica a entrada da “Rodovia do Estanho”, nome pomposo demais para a estradinha que leva à Transamazônica, poucos quilômetros de Santo Antonio do Matupi. Vamos passar por lá, mas seguindo outro roteiro. Lá pelas 14:00hs finalmente chegamos a um lugarejo anteriormente conhecido como Guatá, hoje Três Fronteiras, a 156 km, e 07:30 hs. de estrada de Guariba.
 
 O lugar tem um nome impróprio pois não faz fronteira com nenhum país e sim divisas, entre MT/RO/AM. Como em quase todas as cidadezinhas da região, seus moradores tem esperança de que em um futuro não muito distante a cidade vá crescer muito, razão pela qual a avenida principal (também é a rodovia) é bastante larga e, vista com os olhos de hoje, desproporcional ao movimento de pessoas e veículos. As casas encontram-se esparsas; nos únicos restaurante e posto, um de cada lado da avenida, almoçamos e abastecemos com diesel mais barato do que em Colniza.

Na parede do restaurante um cartaz promovia um tipo de excursão comum em áreas de fronteiras: compras e tratamento médico. Mas, não estando próximo à fronteira a Colnizatur propunha levar passageiros até Guajará-Mirim, esta sim na fronteira com a Bolívia, num percurso quase em U invertido, de cerca de 1.500km ida e volta!  O que leva pessoas às compras, todos sabem, são os preços mais baixos em áreas de livre comércio, mas o tratamento médico resulta de um fenômeno específico: médicos brasileiros raramente querem se embrenhar pela Amazônia.
  Se recusam a isso mesmo com os fortes incentivos e grandes salários. Tem seus argumentos: as cidades grandes oferecem mais “confortos”, mesmo que às vezes tenham que trabalhar como alucinados e pouco possam desfrutar dos tais atrativos urbanos. Os médicos bolivianos, pelo contrário, procuram as regiões de fronteira porque o público brasileiro, ainda que pobre, tem melhor renda que o boliviano. Muitas prefeituras da região contratam médicos bolivianos (às vezes extra-oficialmente), mesmo sem terem seus diplomas revalidados no Brasil, pois é a única forma que encontram para oferecer algum atendimento de saúde à população. Há até uma discussão no Congresso para facilitar os tramites e a instalação desses profissionais.
Saímos de Três Fronteiras por volta das 14:30hs e pouco mais meia hora depois chegamos à balsa do Rio Machadinho (é o mesmo Machado), depois de passarmos por um lugarejo ainda menor chamado Pé de Galinha.

Mais umas dezenas de quilômetros de terra e estávamos chegando a Machadinho, quando começou um trecho de asfalto e aumentamos a velocidade. Imediatamente eu percebi que a XT perdera completamente a força. Sempre que eu acelerava até o fundo o giro demorava a subir. Depois o giro ficou mais ágil, mas não ganhava velocidade. A primeira hipótese foi de que a embreagem tinha “ido pro pau”. A força da auto-sugestão é tão grande que até cheiro de disco queimado eu passei a sentir. Também pensei na hipótese de que o filtro de ar estivesse sujo. Parei e, em meio ao nervosismo e descuido, fiz uma verificação apressada. Achei que o filro não estava sujo o suficente.

Nossa intenção era seguir para Ariquemes por estrada de terra, mas a situação de minha viatura, já ao cair da tarde, recomendou que fossemos por um caminho mais longo, porém asfaltado, passando por Vale do Anari e Theobroma. No caminho chamou nossa atenção uma igrejinha dedicada a Nossa Senhora de Guadalupe, uma devoção quase onipresente no México e demais países latino-americanos e raríssima no Brasil. 

 Um belo por do sol nos acompanhou no findar deste domingo. Nossos caronistas iriam ficar em Machadinho, mas em razão de nossa decisão, decidiram seguir conosco até o entroncamento da BR 364  e dali buscar seu destino rumo ao sul. O nosso era no sentido inverso. Chegamos a Ariquemes às 19:30hs, tendo rodado mais de 500 km. Hotel, cervejinha e cama!

quinta-feira, 9 de maio de 2013

Oitavo dia – 13 de abril de 2013 (Zampa)



tipo de ponte mais comum


Oitavo dia – 13 de abril de 2013 (Zampa)

 Terminei o relato anterior falando de internet. Volto ao assunto. Em muitos lugares os hotéis não tem e quando tem wireless, prevalece o “less”, ou numa tradução livre; "lerda". Fazíamos malabarismos – mudávamos de quarto, de posição nos quartos, íamos para corredores, etc.. em busca de saciar nosso vício, nossa dependência mental para com esta coisa tão fluída, intangível e imaterial. Aliás o sinal da telefonia em geral é bastante ruim. Dentre as operadoras, a mais presente é a Vivo. Newton que tinha chip  dessa operadora navegava com mais facilidade. As demais nem dão sinal e quando dão, não funcionam. Em alguns lugares, na tela de meu celular de dois chips (vivo e tim) apareciam três operadoras! Mas, nenhuma funcionava! Aliás, isso dos sinais de telefone virou piada. Como Newton sempre viajava à frente – a L200-Savana estava com carga e tem menor torque que a Xterra -  sempre que nos aproximávamos dos lugarejos e cidades, sabíamos que ele estava tentando achar sinal pelos sintomas que sua Savana mostrava: menor velocidade e movimentos oscilantes! Newton passou a ser nosso buscador oficial de sinal telefônico.
         Devem ter notado que as metas imaginadas, ainda em Salvador, não tem sido atingidas. Como disse, isso não tem a menor importância para nós, mas indica que as estradas estão menos transitáveis e que temos tido que conduzir com menor velocidade. Hoje estamos saindo de Cotriguaçú/MT as 08:30 hs. no horário de Brasília, uma hora a menos no fuso horário de Mato Grosso. Descobrimos que a maioria dos lugares do lado leste de MT simplesmente ignora o fuso horário oficial do Estado e segue o de Brasília. Aqui não. Imaginamos que hoje chegaríamos a Machadinho do Oeste, já em Rondônia. Não chegamos. Essa é uma parte do percurso que não consta dos mapas impressos e nem dos digitais (Google, Igo, etc.), portanto as informações preliminares pouco valem. No Google, por exemplo, não existe ligação entre Cotriguaçú e Colniza e nem entre essa e Machadinho do Oeste. Ainda bem que o mundo real é diferente do virtual, por mais que alguns não acreditem nisso…

 Abastecemos as viaturas com o diesel mais caro até agora: R$ 3,24! Cerca 50% mais caro do que tínhamos encontrado em alguns outros lugares. Não adiantava chorar. Esse assunto de diesel merece uma nota: por aqui o mais comum ainda é o S-1800, as vezes o S-500, portanto os felizes proprietários de viaturas 2012 em diante - que só bebem diesel S-10 -  não devem se arriscar por estes lados! Só há postos com tal combustível às margens das grandes rodovias e estas já estão asfaltadas! Quando o combustível se disseminar por estes lugarejos, é possível que as estradas entre eles estejam também asfaltadas, e aí, bye bye off road!
Chega de conversa: pé na estrada!
Ainda nos arredores da cidade, povoado de dezenas de serrarias – toda gente reclama da derrubada das matas,  mas sonha com  um móvel de mogno, não é? – erramos a saída. Descobrimos o erro ao perguntar a um homem que voluntariamente tapava buracos da estrada. Demos uns doces ao filho de uns 10 anos (balas: reconheço que o duplo sentido da palavra é meio assustador, como espantado me fez ver isso Elisio Macamo, um amigo moçambicano). Voltamos uns 05 quilômetros e encontramos a placa de sinalização que havia passado despercebida: a “TransNoroeste, compra e venda de gado” fazia o papel que caberia ás autoridades rodoviárias. Agradecemos os votos de “Boa Viagem” e tomamos o rumo indicado . 
 Cerca de uma hora depois pensamos que a estradinha – comparem com as fotos de outras estradas que postamos – estaria interrompida ao vermos um trator e equipe trabalhando numa ponte. Por aqui, na maioria das vezes, não são as estradas que impedem a passagem, mas as pontes frágeis que são levadas pela força descomunal das águas.



Estavam recolocando as pranchas sobre os troncos que cruzavam o riozinho. Esses, felizmente, estavam lá e alinhados. Passamos sem dificuldade. Poças e atoleiros meio velhos e até mesmo alguma poeira na estrada, parecia ser a rotina, mas não tardou muito e topamos com mais uma cena parecida com as que relatamos, mas de conseqüências mais graves: uma carreta (bi-trem) carregada de madeira serrada, vindo de Colniza, não tinha conseguido subir a ladeira lisa e enlameada e voltado de ré sem controle: retorceu-se toda, espalhando a carga. Parecia uma cobra morta. Estava ali há três dias.

 Não havia como passar pelo leito da estrada. Tivemos que arranjar um desvio pela lateral, entre a estrada e a cerca de uma fazenda. Literalmente abrimos caminho. Dentre os muitos veículos que esperavam, um Palio decidiu nos seguir. Passou porque era “morro abaixo”.    Como disse, a cada quilometro a sensação de que a mata estava querendo fechar a estrada se confirmava. Passamos por lamaçais e pequenos atoleiros sem problema.

 Algum tempo depois encontramos uma L200 parada. O destino deles era Nova União (que também não existe nos mapas) e o motorista alegou que a bóia do combustível estava alta. Na verdade era mesmo falta de diesel. Mais uma vez fomos solidários e Newton cedeu uns litros da reserva que tínhamos comprado e até então não usado. Quiseram pagar mas Newton disse que não era preciso. Tínhamos passado por Nova Esperança e a seguir por Nova União. Por aqui tudo parece não somente ser novo, como precisa ostentar essa condição em seu nome. Espero que os moradores tenham realmente reforçado as esperanças e a união.

Tocamos adiante entre uma paisagem que oscilava de pastos – próximos aos vilarejos – quanto de mata cada vez mais exuberante, chegamos pelas 14.00hs a Colniza, onde almoçamos, e seguimos adiante, obedecendo a placa que indicava nosso destino: Guariba, Rio Roosevelt, Três Fronteiras. Mas quando saímos já era por volta das 15:00hs e intuímos que dificilmente iríamos chegar à balsa do Roosevelt e menos ainda chegar a Três Fronteiras, porque nuvens ameaçadoras pareciam querer despencar sobre o mundo, num dilúvio reeditado.

Quase uma hora depois da saída, chegamos ás margens do belo e caudaloso Rio Aripuanã e nos admiramos que fossemos atravessá-lo por uma ponte de madeira de mais de 200m e não por balsa, como ocorrera em rios semelhantes. As marcas de água na parede de um boteco, precariamente equilibrado às margens, mostrava que o rio tinha, recentemente, passado mais de um metro por cima da ponte.
 


 As nuvens pesadas seguiam ameaçando. Pouco adiante cruzamos com uma boiadinha cujos bois estavam surpreendentemente magros. Certamente alguma doença ou vermes os tinham atacado, pois falta de pasto verde não podia ser. Não tardou para que encontrássemos outro “animal” típico daquelas bandas da Amazônia: o “jerico”. Sim, jerico! Essa espécie local é uma geringonça, obra humana, montada com peças e sucatas de vários carros diferentes movidos a um motor diesel estacionário! Até corrida oficial existe! Uma das fotos não ficou boa, mas a outra mostra o feliz proprietário dirigindo um deles.
 


Atoleiros de maior vulto foram aparecendo, mas já estavam meio secos. Pena que a chuva que caía era fraquinha. A forte ficara na ameaça. Teria sido ótimo atravessar alguns deles repletos de lama!


O dia se findava e o lindo por do sol emoldurado pela floresta, demarcava nosso caminho. 


  A noite caiu e seguimos pela escuridão. Pelas nossas contas Guariba não estaria distante. De fato, cerca de uma hora e meia depois, lá chegamos pelas 19:30hs. Procurei me informar onde ficava o restaurante e hotel do João e Noeli, com quem havia falado por telefone antes de partir de Salvador. Casal muito simpático e gentil. Nos hospedamos no hotel deles (o único, aliás) e, como sempre, fomos em busca de uma cervejinha e comida. O filho deles indicou dois lugares: o Skinão, segundo ele mais movimentado, e um outro, próximo ao hotel, que estava abrindo as portas naquele dia. Decidimos ir conferir o primeiro. Nenhum movimento. Optamos pelo novo que, ao menos, tinha uma meia dúzia de pessoas. Tomamos “Cristal” e comemos uns espetinhos e fomos para o hotel dormir. No dia seguinte, no café da manhã, João nos perguntou se tínhamos visto o que se passara no Skinão ou se tínhamos ouvido os tiros pois o gerente do mesmo, lá pelas 22:00hs tinha sido assassinado a tiros! Motivo: ele colocara sua filha menor de idade e juntara outras meninas na lanchonete para “atrair” clientes. Não se afirmou que havia prostituição. De qualquer modo aquilo tinha gerado denúncia no Conselho Tutelar e a polícia tinha ido alertar para parar com a prática. Parece que havia parado, mas sua filha andava envolvida com homens adultos e naquele dia tinha saído desde a tarde para beber numa festa nas redondezas da vila. O pai foi lá “tirar satisfação”. Horas depois, um dos participantes da tal festa veio à cidade, disparou os tiros à queima roupa, montou na moto e embrenhou-se mundo afora.  Ainda bem que lá não estávamos!

terça-feira, 7 de maio de 2013

Sétimo dia, 12 de abril de 2013 (Zampa)



7º dia, 12 de abril de 2013. Impressões do Zampa


Saímos de Carlinda com destino a Colniza, via Cotriguaçu. Seriam mais de 400 km. Tendo em vista que no dia anterior tínhamos rodado isso, com balsas e desatolamento de carreta, então parecia realizável. Na verdade, antes mesmo de começar nossa expedição, tínhamos tomado a decisão de que nossa única meta era viajar, sem correrias, sem atropelos, sem desesperos: o nosso prazer em parar para contemplar uma aglomeração de buritis – as fantásticas palmeiras, onipresentes na narrativa de João Guimarães Rosa e suas “geraes” – um belo igarapé ou rio, uma enorme castanheira, um lindo por do sol, ou simplesmente uma plantação, pasto ou boiada, estava acima de qualquer meta. Assim, na noite anterior, simplesmente revisávamos a direção que iríamos seguir. Pararíamos quando escurecesse. Embora estejamos equipados com material de camping, sabíamos que, ao final de um dia intenso, uma cama seria mais acolhedora, de maneira que tentamos fazer coincidir o anoitecer com algum vilarejo onde dormir. Até aqui os hotéis tem variado pouco de qualidade, exceto o mais caro deles, nossa primeira noite na estrada, em Barreiras: R$ 150,00 em quarto triplo. Os demais oscilam entre R$90,00 e R$120,00. Sempre procuramos por quartos triplos, seja  pelo preço, seja pela oportunidade de ficarmos juntos, trocando impressões sobre a viagem e pessoas, enfim o salutar hábito de jogar conversa fora.
         Pegamos estrada. A cada quilometro a qualidade da pista oscilava. A sensação de que o barro estaria piorando nos deixava animados. Trocávamos impressões pelos rádios. Não demorou muito para que numa subida – sem grandes atoleiros – especialmente lisa, encontrássemos um caminhãozinho baú atolado. Embora não fechasse fisicamente a estrada os demais caminhões não se arriscaram a sair da trilha principal para passar pelas laterais, correndo o risco de derraparem e atolarem feio. Com a L200, Newton passou fácil e nem precisou de minha ajuda para arrastar, ladeira acima o Ford Cargo 815.

 Tocamos adiante. Pela hora do almoço, nova ladeira. Desta feita grandes carretas e bi-trens, carregadas de soja, arroz e madeira, vindo em sentido contrário estavam empacadas, segurando o trânsito dos demais, inclusive ônibus . Fomos avaliar a situação e concluímos, junto com os motoristas das carretas que, desta feita, nossas viaturas seriam impotentes para arrastar, morro acima, veículos tão pesados.
 A solução  foi passar pela lateral, coisa que os caminhões não faziam com medo de derrapar e tornar tudo pior.  A ironia é o nome grafado na primeira carreta atolada: Urbano. Longe disso!
Seguimos adiante. Passamos batido pela entrada de Alta Floresta e seguimos. Exceto por pequenos atoleiros nas baixadas e algumas ladeiras especialmente lisas, como as descritas, a estrada estava boa. Boa demais para nosso gosto.

Trechos retos. Fendas abertas na mata. Ao lado, torres de alta tensão levam energia elétrica para quase todos os lugares. Casebres, cobertos de folhas de palmeira, com energia. É o sucesso do programa “Luz para todos”, levando o mínimo de conforto para o sertanejo, enfiado mata adentro.

 Estávamos na MT 208 e uma placa oficial do governo do Mato Grosso anunciava que exatos 39,5km seriam asfaltados em 420 dias (mais de uma ano!!) mas, sorrateiramente, não indicava a data de início ou de término da obra.

Seja como for, o asfalto deve ter ficado na placa ou ido parar nos bolsos de alguém. É bem verdade que algumas pontes de cimento (de uma via) estavam prontas, mas a maioria era a tradicional, de troncos e tábuas, e não vimos nenhum sinal de obras.  O certo é que na estrada o asfalto não estava, para tristeza dos moradores e alegria nossa. Belos e volumosos rios médios, se sucediam.


A fome apertava. Para minimizar seus efeitos tínhamos barrinhas de cereais, preferidas de Lucas e Newton, mas eu apelava mesmo era a famosa pipoca japonesa, da  qual levei sacos e sacos. Hidrato de carbono, pouco açúcar, sem sal e, o mais importante: sabor de infância! O que nos animou foi que descobrimos que o paraíso não estava longe. Ao menos a lanchonete “Paraíso Tropical”. Japuranã, onde almoçamos, não estava longe.

A estrada estava melhor, mas a cada quilometro rodado se tornava mais estreita e a mata parecia querer retomar o território que um dia fora seu.
  Não é de se entranhar que tenhamos avistado uma capivara – o bando deveria ter terminado de atravessar a estrada, já que este não é um animal solitário – que não ligou muito para nós.

Alguns quilômetros adiante e chegamos ao atracadouro às margens do grande Juruena e lá estava o famoso “hotel e restaurante”, cuja placa havíamos visto à beira da estrada, quilômetros atrás. As telas em todos as janelas e áreas construídas indicavam que ali os mosquitos não brincavam em serviço. Não tardou e descobrimos isso na pele.

Eufóricos, fomos logo descendo dos carros, animados com a paisagem do grande rio. Nos demos conta do ataque quando os primeiros dos milhares de mosquitos piuns que sorrateiramente sugavam nosso sangue já estavam satisfeitos e o efeito do anticoagulante expelido por eles começou a causar reação. Apelamos imediatamente para os repelentes até então sem uso, mas qual o quê! Nada parecia intimidar a chusma sanguinária. Newton sentiu o efeito com mais intensidade e ficou com braços e pernas empoladas. A solução foi imediata: entrou na Savana, ligou o ar condicionado e ali ficou num exílio confortável! O terreno molhado, as galinhas e os porcos soltos que perambulavam em meio à sujeira certamente contribuíam para a tamanha proliferação de sedentos mosquitos. A falta de higiene era óbvia. Ainda bem que havíamos almoçado noutro lugar. Eu e Lucas nos afastamos da casa/bar e procuramos sombra mais distante. Lá os ataques quase não existiam. A hora de espera da balsa, nunca pareceu tão longa (pegamos a das 15:30hs).

No meio do rio, para nosso alivio, não havia mosquitos. Um dos marinheiros disse que já se habituara aos mosquitos. Difícil acreditar a se julgar pelo estado de seu pescoço que parecia um campo minado por milhares de picadas. Atravessamos o Juruena em cerca de meia hora. Um estrada difícil, cheia de buracos e lama, tomou-nos 03 horas para percorrer os 70km que separam a balsa de Cotriguaçu. Chegamos às 18:00hs. Havíamos rodado 413km em 9:30hs. Como sempre a prioridade foi localizar um hotelzinho, depois seguir para a cervejinha, tira-gosto, banho e cama, não sem antes insistir em ter acesso à internet. Tarefa mais penosa que dirigir o dia todo!

Sexto dia, 11 de abril de 2013 (Zampa)

 
Sexto dia, 11 de abril de 2013. Impresões de Zampa, relatadas em maio.

Saímos cedo de São José do Xingu, rumo a Cotriguaçu, via Matupá e Alta Floresta. Não chegamos, entretanto ao destino planejado. Como relatou o Lucas, cerca de 80 km à frente entramos em território indígena do Xingu
(http://pt.wikipedia.org/wiki/Parque_Ind%C3%ADgena_do_Xingu). Uma corda mambembe, da cor da lama, próxima ao chão, sem nenhuma placa indicativa nela ou nos arredores e nenhuma pessoa à vista, acabou por fazer que nosso amigo Newton não a visse. Isso foi suficiente para que um indígena com colete de “autoridade” aparecesse para dizer que havia sido um desrespeito o rompimento da corda e pelo ato cobrou módicos R$10,00. Lucas, o fotógrafo improvisado e oficial de nossa Expedição, de dentro da XTerra, tirava fotos das casas á beira da estrada, enquanto pagávamos a corda e os R$70,00 pela travessia da balsa do Rio Xingu (a 2ª da viagem).
A  tal autoridade, mais uma vez, veio irritada dizer que as fotos eram proibidas e que ele poderia apreender a máquina. Tive que argumentar com o “chefe” que  ele deveria nos indicar qual lei vedava fotos na área e onde estava a placa que informava tal proibição.  Desconversou.
Seguimos alguns quilômetros para descobrir que a estrada – uma mera faixa de terra, quase cortada pelo mundo de água que a rodeava - estava interrompida por uma carreta. Várias outras carretas, picapes e até mesmo veículos pequenos esperavam, sem nenhuma perspectiva de passar.

Depois de avaliar a profundidade da água e lama que cobria as bordas da estrada decidimos arriscar e, com alguma adrenalina, conseguimos passar. O risco não era tanto atolar, mas derrapar, quer para fora da estrada, e cair no mundo de água, quer ir contra a carroceria da carreta, o que deixaria algum estrago em nossas viaturas. Vista, pelas fotos, a situação parece mais tranqüila. Mas eu havia medido a “aguinha” à esquerda e sabia que não podíamos cair ali pois a estrada era levantada em relação ao terreno. Derrapar para a esquerda  era cair na água mal escondida sob os arbustos.





Passamos, mas nosso espírito Off Road veio à tona e decidimos arrastar a carreta. Estreamos as novas cintas e, atreladas às duas viaturas,  engatamos a reduzida e pisamos no acelerador.
 Com alguma dificuldade e como uma lesma preguiçosa a carreta foi se movendo e finalmente a levamos para a área de terreno firme. Alguns dos presentes ajudaram na operação. Uns ficaram com dó de colocar na lama cintas tão branquinhas…e a seguravam levantada até que estivessem tensionadas.


Lucas fotografava toda a operação quando, mais uma vez, veio a tal “autoridade” implicar com as fotos. Parou. Razão pela qual não temos fotos da carreta sendo arrastada. Diziam os demais presentes que, sem avisar nada, “os índios” cobravam R$ 20,00 por cada foto do rio tirada durante a travessia. Independentemente da espoliação histórica pela qual passou e passa a população indígena brasileira, cobrar pelas fotos se trata de pura extorsão. Essa atitude, nas opiniões dos presentes - contribui para aprofundar o preconceito contra os “índios” em geral. Argumentei com alguns, dizendo que, em passado recente,  já cruzara outros territórios indígenas e que, em tais ocasiões, os "índios" foram bem acolhedores e simpáticos. Portanto, não devíamos e não devemos generalizar: entre os “índios”, como entre os “brancos”, há gente de toda índole.

Tendo arrastado a carreta que dificultava a passagem dos menos corajosos – mesmo com picapes – outros passaram. Para chegar à boca da balsa foi preciso cruzar uns 100m de água (0,50 cm) do rio que cortava a estrada. Esperamos que o operador da balsa, um membro da comunidade indígena viesse pilotá-la, o que fez com a maestria esperada.
Contemplar a  imensidão das águas onipresentes, e agora ao relatar, veio-me à tona um tema que já deveria ter comentado: nosso parceiro, Newton, homem que mora em Jacobina, parte do sertão baiano assolado por terrível seca, não se cansava de expressar sua euforia diante da abundância de água, capim verde e gado gordo que tomava conta da paisagem desde a entrada no Tocantins.  Diante do imenso rio Xingu, que alagava quilômetros e quilômetros de matas às suas margens, foi inevitável relembrar de Canudos e Antônio Conselheiro, de Vidas Secas, de O Quinze e da tristeza que me abate quando circulo pelo sertão esturricado pelo sol. Cheguei a pensar que o paraíso sonhado por um sertanejo nordestino se assemelharia àquelas paisagens com água brotando nas margens das estradas, capim verde e alto, gado gordo. O sertão virar mar, de água doce! Doce sonho, vã esperança.




Água na terra, água no céu.

Passada a balsa, os devaneios se esvaíram. Pé na estrada! Tínhamos percorrido pequena distância e muita lama ainda nos separava do destino do dia: Alta Floresta.  Mal saímos da balsa e uma forte chuva anunciava bons momentos. A estrada, cercada de bela mata de transição entre o bioma do Cerrado e da Floresta Amazônica, tinha realmente muita lama, grandes poças de água e alguns bons atoleiros.
Foi diante de um desses que Newton decidiu não esperar um caminhão passar –  carregado de sucata de ferro que levava para Marabá! – e resolveu se arriscar pela lateral da estrada, fora da trilha batida. Não deu outra: atolou feio! Newton resolveu estreiar as botas de borracha e como num balé, tentava se equlibrar na estreita faixa de terreno firme... 
Era nossa chance de usar pela primeira vez os guinchos e nos lambuzarmos de lama, mas eis que a solidariedade estradeira falou alto e o caminhoneiro deu uma ré e depois de expressar seu espanto pela atitude do Newton, ("Eu olhei e pensei: ele não é doido de entrar ali! Pois não é que entrou?", disse ele) rapidamente arranjou uma corda e aos pouco arrastou a Savana para trás, para terreno firme. Newton estava ficando animado. Lama não faltava, mas ainda não era suficiente para ele poder estrear os pneus tratorados que comprara especialmente para a expedição. Na borda da estrada uma anta deixara as marcas de suas patas “tratoradas” na noite anterior.
Algumas dezenas de quilômetros adiante, chegamos, já pelas 14hs, a uma casa/restaurante. Perdidos no meio do nada, sem vizinhos senão a dezenas de quilômetros, o casal já na faixa de seus 60 anos ali vive e mantém o “Restaurante JD (iniciais de ambos) - comida caseira feita na hora”.
De fato: num fogão à lenha, as panelas quentes guardavam os segredos e os aromas de deliciosa comida caseira. Carnes de frango, porco e vaca, aipim, abóbora, feijão, arroz. Tudo convidava nosso estômago e olhos famintos. Comemos a nos fartar. Um gerador a diesel, ligado algumas poucas horas do dia e da noite, mantém o casal distraído com as novelas e telejornais – ambas parecem ficção vinda de um mundo distante e irreal – e as cervejas e refrigerantes frescos. 

A estrada parecia uma reta sem fim, levando-nos ao infinito. Um risco marrom num papel verde. Uma serpente esticada. Mas a serpente real que encontramos era uma jovem jibóia, certamente migrando em busca de acasalamento.
Para evitar que fosse perversamente atropelada por outro veículo – vivo é o preconceito geral contra as cobras – tratei de ajudá-la (não sem protestos por parte dela) a atravessar rapidamente a estrada. Lucas mal tirou umas fotos e rapidamente se refugiou na XTerra. Não era medo, dizia ele, era respeito. Tá bom!
Seguimos adiante e era o contínuo e infindável cruzar de rios com pontes – em geral simples troncos. A estrada era ladeada por capim, bois, alguma mata, buritizais infindos e majestosas castanheiras, em tese, protegidas do abate. Passamos dois pequenos povoados, um sem nome visível, com estabelecimentos que não escondiam a sua vocação, como o Bataclãn Bar – sim, com til e ene -, outro orgulhosamente informava:  “Novo Mundo” e para dar credibilidade, a placa dizia sob o nome: “de Verdade”.

 Eram já 17:00hs e nosso destino ainda estava a 114km. Afundamos o pé na medida do possível. Nuvens escuras, prenhes,  tornavam o entardecer cinza e pesado mas, ao cruzamos a balsa  (3ª) do enorme e piscoso Teles Pires, o tempo sorriu e os últimos raios do sol banharam as águas, parecendo noite de luar.
Rio Teles Pires
 
Depois de um dia que começara as 06:50hs e rodado 412 km em 12 horas,  havíamos cruzado por balsa, dois rios, passado por águas de rios e igarapés que cortavam a estrada, desatolado carreta; chegamos às 19:00 hs em Carlinda e, exaustos, decidimos ali ficar. Escolha acertada. Procuramos um hotel. Uma menina de uns 07 anos tomava conta daquilo que era casa e hotel. Daí a pouco chegou esbaforida a mãe e dona do negócio, que se explicou: ela estava apoiando o marido na “inauguração” de um carrinho de espetinhos na brasa, ao lado de um quiosque na principal avenida da cidade. Nos convidou para prestigiar o evento e lá fomos nós. Tomamos umas cervejas “Cristal” e experimentamos o tal espetinho. Ambos bons. A jovem atendente do quiosque, loiríssima, certamente sulista, como a imensa maioria dos moradores, era toda sorrisos. Flertes de beira de estrada... O namorado, disse ela, estava rondando para fazer a guarda... Pobre homem! Como se isso fosse possível... Mas, dela só guardamos os sorrisos.